Os números já estão sendo torturados. O regime já está matando. Os mortos estão desaparecendo. Há ditaduras militares com menos militares que o governo atual do Brasil.
O Ministério da Saúde ocupado por um militar sem qualificação nenhuma na área-fim da pasta [1]. No restante da pasta mais 25 militares até agora [2]. O restante do executivo não está diferente. O presidente, capitão bunda-suja, o vice, um general. Ministros militares são nove. 3 mil militares da ativa e reserva no restante do executivo[3]. Isso sem contar os casos claros de nepotismo como os filhos do presidente [4] e do vice presidente [5] e base-se lá quantos mais familiares e amigos desses outros 3 mil.
[1] O Ministério da Saúde sob intervenção militar – El PaÃs. https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-05-26/o-ministerio-da-saude-sob-intervencao-militar.html
[2] Ministério da Saúde chega a 25 militares nomeados – Estado de Minas. https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2020/06/05/interna_politica,1154152/ministerio-da-saude-chega-a-25-militares-nomeados.shtml
[3] Cúpula militar se afasta de radicalismo de Bolsonaro, mas estudiosos veem risco entre oficiais de média e baixa patente – BBC Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52539442
[4] ‘Já botei parentes no passado, sim. Qual é o problema?’, diz Bolsonaro – O Globo. https://oglobo.globo.com/brasil/ja-botei-parentes-no-passado-sim-qual-o-problema-diz-bolsonaro-23853969
[5] Mourão diz que filho tem ‘mérito’; indicação não viola regra de nepotismo – Exame. https://exame.com/brasil/mourao-diz-que-filho-promovido-no-banco-do-brasil-tem-merito/
Quando aqui o Trump ganhou, haviam dúvidas sobre o que era bravata, o que era campanha, opinião pessoal ou estratégia. Para cada sentença que ele já havia dito ele também havia dito outra em contradição. Às vezes ele se contradizia com algo que havia dito anos atrás, às vezes dias atrás, às vezes minutos atrás, às vezes dentro de uma mesma sentença. O subreddit /r/TrumpCriticizesTrump é inteiro dedicado a encontrar contradições antigas e novas.
Logo na cerimônia de empossamento, começou uma polêmica trivial. O comparecimento de público na cerimônia do Trump foi baixo.
Bobagem, né? Quem se importa? A inauguração é em janeiro, frio pra caramba, eu tava me tremendo na inauguração do segundo mandato do Obama em 2013. Frio, segurança pesada, metrô lotado. Além disso, demograficamente a região ao redor de Washington não é eleitora do Trump. Eles teriam que viajar de longe. É completamente compreensÃvel um comparecimento baixo.
Bem, a administração do Trump se importou, e muito. Primeiro Trump disse que aquela havia sido a maior cerimonia de posse da história. Começa uma polêmica. O Sean Spicer, secretário de imprensa na época, fez uma coletiva: “Esse foi o maior público de uma inauguração tanto presencialmente quanto ao redor do mundo”. E mais, “Essas tentativas de diminuir o entusiasmo da inauguração são vergonhosas e erradas”. Só que todo mundo sabia que não era o caso, as evidencias apontavam pro outro lado, logo ou a Casa Branca estava errada ou estava mentindo, e tinha que ser o primeiro até porque alguém iria mentir sobre uma bobagem dessas?
O óbvio tamanho inferior da inauguração é provado por um ciclo jornalistico de comparação de fotos, fotos aéreas, dados de público no metrô, e tudo que se podia encontrar sobre o tema. Então Kellyanne Conway, porta-voz da Casa Branca, vem a público em uma entrevista onde ela diz que a Casa Branca não estava nem mentindo nem errada mas apenas apresentando “fatos alternativos”. E é aà que as coisas começam a ficar interessantes. Esse não foi só um exercÃcio pontual de absurdismo mas o inicio de um modus operandi que alguns chamam de “firehosing“, como em uma mangueira de incêndio, mentir em grandes quantidades.
O Vox fez uma matéria interessante sobre esse tema onde ela elenca quatro caracterÃsticas principais do “firehosing”:
Nos meses que se seguiram a mangueira de mentira ficou ligada diariamente. Não existe a possibilidade de eu listar todas as mentiras aqui. Mentiras sobre trivialidades, mentiras grandes, mentiras pequenas, mentiras de todos os tamanhos. Os “fatos alternativos” começam a ser chamados de “fake news” e em pouco tempo a Casa Branca se apropria do termo para chamar tudo e qualquer coisa de “fake news”, que vira um jargão. A maioria dos jornais sequer consegue entender o que está acontecendo a dedicam boa parte do seu tempo em desmentir as mentiras da semana passada, para dar espaço de desmentir as mentiras de ontem, enquanto as mentiras de hoje estão sendo despejadas. Uma consequência é que o Trump consegue de uma maneira peculiar controlar a narrativa.
Como a matéria prima dos jornais é a realidade objetiva, os jornais foram declarados “inimigos do povo” por Trump. Com exceção de alguns poucos veÃculos que juram uma espécie de lealdade ao lÃder supremo, os jornais e os jornalistas são atacados diariamente.
A estratégia parece ser a seguinte:
Então Rudy Giuliani, então advogado de Trump, em entrevista defende a estratégia de não deixar Trump dar um depoimento sob juramento porque ele seria incapaz de não mentir, e Giuliani solta “a verdade não é verdade”. Entre “fatos alternativos” e “a verdade não é verdade” fica claro que a própria realidade objetiva está sob ataque. Também se cria uma normalização da mentira, se assume que o Trump vai mentir, é o que ele faz quando a boca dele mexe, e todos os lados passam a aceitar isso. O que acabaria com a carreira de qualquer outro polÃtico pra ele é só mais uma quarta-feira.
E em boa parte funcionou. Cada indivÃduo que passa a não confiar mais na realidade, nos jornais, agora confia em veÃculos alternativos de informação dedicados a espalhar mentiras e teorias da conspiração, em correntes de redes sociais, e isso cria uma realidade alternativa que parece impenetrável.
Pra piorar isso tudo os jornais, na tentativa de parecerem mais equilibrados e imparciais, caem no viés do falso equilÃbrio. No falso equilÃbrio você dá voz aos dois lados em uma mesma proporção na tentativa de parecer mais equilibrado, e com isso diminui as evidências da realidade objetiva. O antÃdoto parece ser o que disse a Sally Claire:
“Se alguém diz que está chovendo, e outra pessoa diz que não está, seu trabalho não é citar os dois. Seu trabalho é olhar na porra da janela e descobrir o que é verdade.”
Essa é uma boa dica pra quem escreve sobre chuva ou sobre realidade. No mesmo tema, Hannah Arendt escreveu:
O objeto ideal do governo totalitário não é o nazista convicto ou o comunista convicto, mas pessoas para quem a distinção entre fato e ficção (isto é, a realidade da experiência) e a distinção entre verdadeiro e falso (isto é, os padrões de pensamento) não existem mais.
Por outro lado, se você acordou agora e descobriu que isso também está acontecendo no seu paÃs eu não tenho nenhuma formula mágica mas tenho algumas dicas que eu acho que podem ajudar:
Existem muitas semelhanças entre o que está acontecendo agora no Brasil com o que aconteceu no EUA em 2016. São duas situações bem diferentes, com personagens bem diferentes, mas certas coisas continuam acontecendo com uma similaridade impressionante. Se as coisas continuarem assim, existe um momento que a violência que você lia a respeito começa a acontecer com um conhecido de um conhecido. Depois ela acontece com alguém que você conhece. Depois ela acontece na sua frente, depois ela acontece com você.
Se você testemunhar algum tipo de agressão ou assédio, resista ao instinto de permanecer em choque. Ainda que não seja ainda um agressão fÃsica, avalie a situação, as quantidades e a dinâmica. Nós humanos temos comportamento de manada, as vezes ficamos atônitos diante do absurdo, mas se uma pessoa demonstrar bom senso, outras vão seguir.
Vagamente inspirado no guia da ilustradora Marie-Shirine Yener
É preciso lutar mas a luta tem seu preço. Quando a luta é continua e repetida, o preço também é contÃnuo e repetido.
Se você estiver passando por dificuldades, você não precisa passar por isso sozinho e assim como para todos os problemas que afligem a nossa existência, há ciência e técnicas que podem te ajudar. Se seu carro quebrar, sua cabeça vai te dizer pra chamar um mecânico. Se seu braço estiver doendo, sua cabeça vai te dizer pra chamar um médico. Mas o que acontece quando sua cabeça não está bem? Você pode confiar nela pra te dizer o que fazer? Não, e por isso é importante ter um plano de ação que você possa usar como referencia caso isso aconteça.
Se você ou alguém que você conheça estiver em uma emergência o número do CCV (Centro de Valorização da Vida) é 188. A ligação é gratuita de telefones fixos e celulares. Em algumas cidades o CCV também dispõe de centros de atendimento presencial. Dentro do SUS (Sistema Único de Saúde) existe o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) que é público e gratuito. Se sua cidade não possui uma modalidade do CAPS, procure o atendimento do SUS.
Se você tem um plano de saúde privado, liga pra eles e pergunte quais são suas opções de acesso a um profissional da área da psicologia. É da mais absoluta importância procurar ajuda especializada de um profissional quando se tem um problema e não há nenhuma vergonha nisso, pelo contrário, é um gesto de humildade e grandeza.
Você precisa sobreviver para o dia seguinte. Resistir, se juntar, juntar a resistência, se inspirar, se organizar, lutar.